O que vai mudar não é a combustão, mas o combustível e a eficiência, em combinação com biocombustíveis e eletrificação
Apesar de todo o discurso em torno do fim dos motores a combustão– e de algumas legislações que tentam impor uma data para este banimento – este horizonte está longe de se concretizar, nem é visível nas próximas três décadas. Segundo apontam projeções de consumo energético e tecnologias alternativas disponíveis, a conclusão é que veículos elétricos e híbridos não têm nenhuma chance de substituir por completo a frota circulante do mundo ou a venda de carros novos, nem mesmo na China ou na Europa, onde a eletrificação caminha mais rápido.
Segundo as mais recentes projeções da consultoria S&P Global a demanda por mobilidade no mundo segue crescendo muito acima do que veículos elétricos e híbridos podem dar conta. A estimada frota de 1,54 bilhão de veículos no mundo atualmente conta apenas com 60 milhões de elétricos e 62 milhões de híbridos, 1,42 bilhão são veículos puramente a combustão – e a maioria avassaladora usa só combustíveis fósseis.
A S&P estima que esta frota vai crescer para 1,64 bilhão de veículos até a virada desta década, com aumento dos modelos elétricos para 201 milhões e 112 milhões de híbridos, mas os veículos a combustão, ainda que em número declinante, continuarão sendo a grande maioria, com 1,33 bilhão de unidades, ou 81% do total.
Não é necessário fazer muitas contas para perceber que será muito mais produtivo e eficiente para reduzir ou anular as emissões dos veículos a combustão do que forçar a eletrificação, partindo-se da lógica de que o problema não está na combustão, mas no combustível.

Isto porque queimar combustíveis fósseis significa jogar na atmosfera CO2 que estava armazenado por milhões de anos nas profundezas da Terra e que, uma vez tirado de lá, é difícil de recapturar, sobretudo em um planeta cada vez mais desmatado, com vegetação insuficiente para capturar o gás que fica voando por aí, absorvendo calor do Sol e aquecendo o planeta a níveis insalubres para a espécie humana.
Este problema pode ser em grande parte mitigado com o aumento do uso de biocombustíveis que, na queima em motores, emitem CO2 em menor quantidade e do tipo biogênico, que ao fim do ciclo de uso remete o gás de efeito estufa de volta à sua origem, ou à biomassa da qual se origina – no caso do etanol as emissões são de 80% a 90% reabsorvidas pelas próprias plantações de cana.
Pode-se espernear à vontade em favor dos elétricos mas o fato concreto é que eles não são nem serão solução final para cortar as emissões de CO2. Exemplo contumaz vem do maior mercado de carros elétricos do mundo, a China, onde mais da metade das vendas são dos chamados “carros de nova energia”: uma falsidade ideológica, já que de 70% a 60% desta energia que move esses carros é bem velha, vêm de usinas elétricas a carvão, as mais poluentes – sem contar que os híbridos também usam só a velha gasolina fóssil.
É sempre bom pontuar que a China não corre para os carros elétricos por preocupações ambientais, mas porque importa 70% do petróleo que consome e, por razões geopolíticas e de segurança energética, optou pela eletrificação dos veículos, alimentados por grandes reservas de carvão mineral e baterias produzidas a partir de minerais que o país tem de sobra. Isto é tão verdadeiro quanto as emissões de CO2 da China, que seguem sendo as maiores do mundo mesmo com a quantidade recorde de carros elétricos nas ruas – isto porque não são só carros que emitem, mas também os fornos da maior indústria de aço e cimento do planeta.
E apesar de todo o barulho em torno do avanço dos carros eletrificados chineses, 65% dos novos investimentos em propulsão veicular, na China, estão voltados ao desenvolvimento de motores mais eficientes a… Combustão – segundo dados levantados pela Mahle, tradicional fornecedora de componentes para powertrain a combustão e elétricos.
Portanto, o que pode mudar muito mais do que o motor a combustão é o combustível, com uso crescente de etanol, biodiesel, HVO ou biometano, resumiram alguns especialistas em recente painel dedicado ao tema no Congresso SAE Brasil.
Querendo ou não o fato é que motores a combustão ainda são a forma mais viável de energia para os transportes motorizados. O problema é que, no horizonte visível de hoje, sem ilusões ambientalistas, eles continuarão demandando cada vez mais combustíveis fósseis.
Segundo projeta a IEA, sigla em inglês que identifica a Agência Internacional de Energia, a demanda por diesel e gasolina fósseis para o setor de transportes deve declinar em volume insuficiente para colaborar com o desaquecimento global, dos atuais 22 mil TWh [terawatts/hora] para cerca de 20 mil TWh até 2050, com o uso de bioenergia aumentando de 1 mil para 3 mil TWh e a eletricidade quintuplicando seu papel de 1 mil para 5 mil TWh – ainda sim pouco diante das necessidades.
Portanto, por qualquer ângulo que se olhe, o futuro da mobilidade ainda depende e dependerá em larga medida do uso de motores a combustão, principalmente no segmento de veículos comerciais a diesel. E o mais eficiente a fazer contra este fato é adotar combustíveis de baixa pegada de carbono e motores mais eficientes, em combinação ou não com a eletrificação.
A corrida para os carros elétricos, forçada por legislações e incentivos, criou a impressão da morte iminente dos motores a combustão, com certo abandono do desenvolvimento de novos propulsores e combustíveis. Algumas empresas pararam de desenvolver tecnologias de combustão ou ficaram envergonhadas em divulgar que continuavam a desenvolvê-las como opção futura. Agora, com mudanças de legislação e retirada de incentivos, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, alguns fabricantes de veículos e autopeças estão retomando projetos – até na China.
As soluções da mobilidade de baixo carbono dependem de recursos disponíveis em cada região, por isto as tecnologias descarbonizantes são diversas e têm penetração muito diferente a depender do país, de acordo com análise da Mahle apresentada no Congresso SAE Brasil, baseada em projeções próprias e de diversas consultorias.
Na China, por exemplo, onde a melhor alternativa para o país é a eletrificação, a previsão é que, até 2035, veículos leves elétricos vão passar dos atuais 25% da frota para 55%, enquanto os híbridos – que usam motor a combustão – vão variar de 19% para 39% e os modelos a combustão, incluindo os dotados de sistemas híbridos leves, que hoje representam 56% dos carros e comerciais leves em circulação, deverão cair a apenas 6%.
Até mesmo na China a coisa muda muito de figura para veículos comerciais de carga e passageiros, com elétricos subindo dos atuais 9% da frota para 32% até 2035, enquanto a combustão declina de 91% para ainda relevantes 67%.
A União Europeia e os Estados Unidos, com proporção de eletrificação menor do que a China, seguiriam tendência parecida de reduzir muito a participação dos modelos a combustão, mas as projeções foram feitas ainda sem considerar as prováveis mudanças da legislação europeia e antes da eleição do imperial Donald Trump, negacionista de carteirinha das mudanças climáticas.
Já no Brasil, para nenhuma surpresa, até 2035 a projeção indica o uso predominante de motores a combustão em veículos leves, incluindo os híbridos leves, que nos próximos dez anos cairiam de 94% para 55%, com elevação dos elétricos de 3% para apenas 15% e dos híbridos de 3% para 30%. Pode parecer insuficiente para reduzir emissões, mas não quando se leva em conta o uso de etanol nesses carros, puro ou misturado à gasolina – hoje na proporção mandatória de 30%.
Para veículos comerciais de carga e passageiros a situação é bem diversa também no Brasil, com declínio mínimo, de 99% para 95%, dos modelos a combustão, e subida dos elétricos de imperceptíveis 1% para insignificantes 5%. De novo, a proporção não é de todo ruim quando se considera que, no País, também é crescente o uso de biocombustíveis em caminhões e ônibus, com alternativas sustentáveis como biodiesel, HVO e biometano, em uso puro em mistura obrigatória.
O conhecimento de dados concretos leva à conclusão que a necessária transição energética será mais eficiente com a combinação de tecnologias de combustão e eletrificação – e não com a exclusão de nenhuma delas.
Se no horizonte visível será impossível abandonar totalmente os motores a combustão, será crucial reduzir sua pegada de carbono e para tanto é necessário continuar desenvolver a eficiência deles. Ao invés de abandonar a tecnologia é mais eficiente combiná-la com a ajuda da eletrificação e uso de biocombustíveis.
Como atesta Everton Lopes, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Mahle América do Sul, existe no horizonte um amplo leque de melhorias a fazer nos motores a combustão antes de defender o banimento.
Algumas dessas melhorias já estão em curso, como a redução da capacidade volumétrica com uso de turbocompressores que garantem potência e desempenho a motores de 1 litro até melhores do que os 2.0 aspirados. Com auxílio de sistemas híbridos, controle da temperatura de combustão e periféricos elétricos – como direção assistida e bombas d’água e óleo – a tendência é alcançar, em futuro próximo, eficiência energética de até 50%, contra os índices atuais de 30% a 40% da energia da combustão que chega efetivamente às rodas.
Quer gostem ou não os puristas da eletrificação, com as melhorias de eficiência e uso de biocombustíveis com pegada de carbono baixa ou neutra, os motores a combustão têm vida longa – inclusive na China.
* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo, e editor da revista AutoData. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.
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