Tudo bem, é sabido que a eletrificação dos veículos é ainda um processo global longo, de alguns vários anos, mais lento ou mais rápido a depender do poder aquisitivo de cada mercado ou mesmo das alternativas energéticas disponíveis neles para a descarbonização da mobilidade.

De qualquer forma, a roda da indústria não pode parar e há demandas imediatas, seja por força das legislações ambientais, especialmente dos maiores polos consumidores, da concorrência ou por parte de clientes mais entusiasmados e dispostos a arcar com algum troco adicional para “rodarem limpos” por aí.

Equacionar — agora — legislações, prazos, tecnologias, infraestrutura, produção e demanda tem sido o maior desafio dos fabricantes que enxergaram nos elétricos a bateria a rota preferencial, ou até exclusiva, para a descarbonização. Mas um recente aspecto deixa esse caminho ainda mais pedregoso no curto e médio prazos: o valor desses mesmos veículos usados.

Não há mercado de novos sustentável sem o de usados igualmente robusto, afirmam os especialistas. E não é o que tem ocorrido, por exemplo, na Europa, segundo maior bloco consumidor global e epicentro de políticas públicas que buscam atenuar o impacto do transporte no meio ambiente.

Os preços dos carros de segunda mão movidos exclusivamente a bateria estão muito aquém do que imaginavam parceiras importantes das montadoras, como locadoras e empresas de leasing que adquiriram esses modelos para repasse a frotas corporativas de empresas interessadas na boa imagem e nos rankings ESG.

Com a redução promocional dos preços dos novos devido ao refluxo das vendas, clientes ainda insatisfeitos e desconfiados com a infraestrutura de recarga e subsídios e incentivos aqui e acolá, mesmo que intermitentes, à compra dos zero km, a desvalorização do elétrico usado é maior do que se imaginava inicialmente.

Como mostra reportagem da publicação especializada Automotive News Europe, os valores pedidos por alguns elétricos usados recuaram quase um terço no último ano.

É o caso, por exemplo, do Tesla Model 3 e do Audi e-tron, ambos com quedas superiores a 29%. Mas mesmo modelos “mais populares” também amargam tombos tão vexatórios quanto. O preço de um Volkswagen ID.3 usado recuou 25% e do Renault Zoe, 26%.

Com cotações cada vez mais declinantes, revendê-los, portanto, não tem sido bom negócio para as empresas de leasing, que já estão solicitando ajuda das próprias montadoras para atenuar financeiramente essas depreciações.

Algumas de suas clientes foram mais longe e já desmobilizaram parte da frota de elétricos — como a gigante locadora Hertz, em janeiro, que abriu mão de 20 mil unidades — e deixaram de ofertá-los a funcionários.

É justo questionar então o que acontecerá com os preços desses mesmos usados quando negociados como produtos de terceira mão, com menor período de garantia pela frente.

Mais: quando, simultaneamente, tecnologias mais eficientes já estarão disponíveis em grande escala e até por preços menores, como as baterias de estado sólido.

A obsolescência e o mercado não poupam nada, nem mesmo as boas intenções.


Foto: Divulgação

George Guimarães
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