Pedro KutneyFoi grande e irrecuperável o impacto da falta de chips para produzir as dezenas de centrais eletrônicas que equipam os carros. Segundo estimativas consolidadas pela consultoria Auto Forecast Solutions (AFS), com sede nos Estados Unidos, que monitora semanalmente mais de 400 fábricas no mundo todo, no ano passado 10,2 milhões de veículos leves deixaram de ser produzidos globalmente porque faltaram semicondutores para seus sistemas. No Brasil, a perda foi de 345,5 mil unidades.

Foi esse o tamanho da crise dos semicondutores no País, que provocou paralisações e reduções de produção de nove fabricantes em 15 plantas de montagem de automóveis e utilitários leves.

Para quantificar o impacto, caso essas unidades tivessem sido montadas, a produção brasileira teria alcançado 2,42 milhões de veículos leves, o que representaria um robusto crescimento de 27% sobre 2020, resultado até acima da primeira projeção da Anfavea feita em janeiro do ano passado, que estimava expansão de 25%, e bem melhor do que o decepcionante avanço realizado de 8,7% (2 milhões).

Na prática, sem a falta de semicondutores não teriam faltado carros para entregar, as vendas domésticas poderiam ter avançado mais de 15% (em vez do pífio 1,1%), as filas de espera por alguns modelos que ultrapassaram três meses seriam menores, as exportações poderiam ter crescido acima dos 20% (em vez de 13,8%). Os fabricantes também teriam lucrado mais, porque a escassez de componentes causou prejuízos com o afastamento temporário de empregados enquanto as fábricas foram paralisadas por longos períodos, o que gerou perda de faturamento sem redução equivalente de custos.

Problema persistente

Os cortes no fornecimento de componentes foram se agravando no decorrer de 2021 na mesma medida em que a procura por veículos cresceu, após o primeiro impacto da pandemia em 2020, e os poucos fornecedores de semicondutores no mundo não conseguiram retomar a produção na velocidade e quantidade desejadas. Com isso, faltaram carros. Em diferentes graus, todos os fabricantes produziram abaixo da demanda global.

O cenário melhorou no fim de 2021, mas os problemas de fornecimento de semicondutores já causaram muitos estragos e estão longe de serem resolvidos, continuam a afetar severamente a produção global da indústria automotiva. O levantamento da AFS aponta que este mês os fabricantes já deixaram de produzir 62 mil carros no mundo por falta de chips, e as paralisações já anunciadas projetam uma redução contratada de quase 800 mil.

No Brasil, as paradas realizadas no começo do ano resultam em uma perda estimada de 13,8 mil veículos que deixaram de ser produzidos em seis fábricas de cinco fabricantes, mas paralisações programadas apontam para volume perdido ainda maior, de quase 30 mil unidades, segundo calcula a AFS.

Todos os executivos ouvidos são unânimes em dizer que estão conseguindo comprar mais chips, mas ainda em quantidade abaixo do necessário, apontando que o problema deve persistir até o fim do ano.

A consultoria Boston Consulting Group (BCG) estima que nos próximos 12 meses a falta de chips deve reduzir a produção global de veículos em 7 milhões a 8 milhões de unidades. Ou seja, o problema continua bem grande. A BCG calcula ainda a perda de 4 milhões de carros em 2023, 1 milhão em 2024 e a normalização total do fornecimento de semicondutores para o setor automotivo só em 2025.

GM lidera perdas no Brasil em 2021

Em 2021 a General Motors perdeu a liderança no Brasil após cinco anos no topo do ranking de vendas, desceu ao terceiro lugar, porque encabeçou por larga margem a lista dos fabricantes que mais perderam com a falta de semicondutores (veja tabela mais abaixo).

Segundo o levantamento da AFS, as três fábricas brasileiras de montagem da GM deixaram de produzir 179,3 mil carros no ano passado, sendo que a planta de Gravataí (RS) foi a campeã nacional de perdas: 107,8 mil unidades não foram fabricadas em cinco meses de paralisação completa. Em São Caetano do Sul (SP) a redução também foi grande, a segunda maior do país: 63,2 mil carros a menos.

Na segunda posição do ranking de perdas, bastante abaixo da GM, ficou a Volkswagen, que deixou de produzir 70,7 mil veículos em 2021 nas suas três fábricas de montagem no Brasil, com a planta Anchieta, em São Bernardo do Campo (SP), como a terceira que mais perdeu produção no país: 34,9 mil carros a menos.

A Renault em São José dos Pinhais (PR) foi a terceira montadora e fábrica que mais perdeu produção em 2021, calculada pela AFS em 34,7 mil carros.

A Stellantis com os veículos Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën produzidos no Brasil liderou com folga o mercado local porque conseguiu administrar melhor a falta de chips, mas não saiu ilesa da crise. Foi a quarta fabricante que mais perdeu produção em 2021, principalmente na linha da Fiat em Betim (MG), que na estimativa da AFS deixou de produzir 32,3 mil carros com suspensão de um turno por vários meses. A isso se somam quase 2 mil unidades perdidas em Porto Real (RJ), onde são fabricados os modelos Peugeot e Citroën. A fábrica da Jeep em Goiana (PE) não reportou perdas, mas teve reduções de ritmo.

OBSERVAÇÕES

  • Novo presidente entre o lucro e market share

Achim Puchert chegou semana passada para assumir a presidência da Mercedes-Benz do Brasil. Em seu primeiro contato com jornalistas brasileiros, disse que seu objetivo é encontrar equilíbrio entre lucro – que a empresa diz estar no caminho de retomar no país – e participação de mercado. Em 2021 a fabricante perdeu a liderança do mercado brasileiro de caminhões após cinco anos no topo, fato creditado à falta de chips que não permitiu atender todas as encomendas. Novos investimentos? Só depois de ver o retorno do programa de R$ 2,4 bilhões aplicado entre 2018 e 2022.

  • Motorização acima da inflação

Levantamento da KBB Brasil aponta que os preços de carros zero-quilômetro lançados no ano passado como modelos 2022 subiram 18,4%, em média, quase o dobro da inflação anual medida pelo IPCA, que fechou em 10%. As montadoras mexeram bem menos nas tabelas dos modelos 2021, que tiveram reajuste médio de 9%, ainda assim o dobro do aumento de 4,3% acumulado em 2020. No caso de usados os valores também subiram bem acima do IPCA: média de 17,2% para veículos seminovos de 0 a 3 anos de idade e de 22,5% entre os de 4 a 10 anos.

  • Maior mercado de usados da história

A falta de carros zero-quilômetro e aumentos de preços direcionaram a demanda para o mercado de usados em nível recorde. Dados consolidados pela Fenabrave revelam que 2021 registrou o maior volume de veículos usados negociados da história no Brasil. Ao todo, trocaram de dono 11,2 milhões de automóveis e comerciais leves (+18,8% sobre 2020), 397,3 mil caminhões (+19,2%), 43 mil ônibus (+28%) e 3,3 milhões de motos (+17,5%). O movimento também fez subir os valores médios de negociação.

  • Toyota lidera na Argentina e quer ampliar fábrica

No ano em que as vendas de veículos leves na Argentina cresceram 9,8% (355,5 mil emplacamentos), a Toyota avançou nada menos que 68,6%, para 73,5 mil unidades. Pela primeira vez a marca japonesa alcançou a liderança do mercado argentino, com robusta participação de 26,7%, contra 15,6% da segunda colocada, a Volkswagen. E a picape Hilux foi o segundo veículo mais vendido do país, 27,1 mil unidades emplacadas, expansão de 42,2% sobre 2020. Desde 1997 fabricando apenas dois modelos em Zárate, a própria Hilux e o SUV derivado SW4, pelo sexto ano consecutivo a Toyota foi outra vez a fabricante que mais produziu (142,5 mil, +52%) veículos na Argentina e a que mais exportou: 114 mil, +64%, 80% da produção, para 27 países na América Latina. Para atender à demanda crescente, em 2022 a empresa planeja ampliar a capacidade de produção de 140 mil para quase 170 mil unidades/ano e contratar mais 500 funcionários na planta, que assim chegará a cerca de 7 mil empregados.

  • Mais otimismo na Argentina

Após fechar 2021 com crescimento robusto sobre 2020 de 69% na produção (434,7 mil veículos) e de 88% nas exportações (259,3 mil) – o Brasil comprou 66,3% deste total –, a associação dos fabricantes instalados na Argentina, a Adefa, estima um novo salto em 2022, com incremento de 28,3% no volume de carros e comerciais leves produzidos no país, chegando a 557,7 mil, e vendas externas 34,3% maiores, equivalente a 348,2 mil unidades exportadas. As projeções foram apresentadas semana passada por representantes da indústria ao governo argentino.

  • VWCO nas Filipinas

Pela primeira vez em sua história de 40 anos a Volkswagen Caminhões e Ônibus (VWCO) terá um importador oficial na Ásia. A porta de entrada é pelas Filipinas, onde a MAN Automotive Concessionaires Corp. (MACC) já vendeu todo o lote inicial de 43 veículos embarcado ao país. Ao todo o representante vai oferecer dez modelos entre caminhões das famílias Delivery e Constellation e chassis de ônibus Volksbus, com configurações preparadas pela engenharia da montadora brasileira especialmente.

* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.


Foto: Divulgação/GM

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