Algumas montadoras aqui instaladas já anunciam investimentos em direção à manufatura 4.0, mas ainda há muito a avançar em processos produtivos no Brasil. Aí entra o Rota 2030, política setorial automotiva em debate com o governo. Um programa essencial para garantir competitividade mundial à indústria brasileira, na avaliação do presidente da AEA, Associação Brasileira de Engenharia Automotiva, Edson Orikassa. O Brasil, segundo ele, tem 10 robôs por 10 mil funcionários, índice que é de 530 na Coreia e 300 no Japão e na Alemanha. “Vamos ser um mundo paralelo? Ou vamos nos inserir no mundo?, questiona. “É fundamental para o setor ter um horizonte de planejamento de longo prazo, saber qual a direção que o País quer tomar em relação à produção local. Se tiver uma definição clara, a indústria reage e faz a parte dela”. Na quinta-feira, 17, a AEA promoveu o Seminário de Manufatura Automotiva, em São Paulo, para debater a indústria 4.0 e o que fazer para inserir a indústria local no contexto mundial.

Por Alzira Rodrigues

Neste momento em que se discute o Rota 2030, como o senhor avaliaria o efetivo nível tecnológico das fábricas brasileiras?
Algumas plantas brasileiras, principalmente as mais novas, como a da Hyundai, estão em nível próximo ao do existente lá fora. Mas ainda há muito a avançar. Segundo estudo sobre a quantidade de robôs por número de funcionários, a Coreia lidera o ranking mundial com 530 por 10 mil empregados. Em países como Japão e Alemanha são cerca de 300 robôs. E na China, 40. No Brasil temos apenas 10 robôs por 10 mil funcionários.

Tem como reverter esse quadro?
A produção local de modelos similares aos feitos lá fora contribui para a evolução da indústria brasileira. Para ter a mesma qualidade e custos de fabricação próximos é preciso ter o mesmo processo produtivo. Um dos maiores gargalos aqui refere-se aos especialistas em manufatura. Tem sobrecarga muito grande dos profissionais da área. Mas a evolução já está em curso. A Volkswagen, por exemplo, anunciou mais de 370 robôs em sua linha para a produção de seus novos modelos Polo e  Virtus.

Produtos globais, então, favorecerão o avanço da nossa manufatura?
Não tem como ser de outro jeito. Tratando-se do mesmo produto os processos têm de ser replicados. E aí temos um dado muito favorável. Antes eram anos para um produto lançado lá fora chegar por aqui. Agora são meses, as vezes dias. E o Brasil tem de caminhar por aí. Lá fora ergonomia e insalubridade são questões fundamentais na automatização e o mesmo tem de ocorrer aqui. O uso de robôs em algumas atividades evita gastos com problemas de saúde dos funcionários. Em última instância, portanto, representa redução de custos.

Como fica a base fornecedora neste processo todo?
As grandes empresas, os sistemistas, estão acompanhando o ritmo de evolução mundial. Os problemas ocorrem daí em diante, nos fornecedores dos fornecedores. Muitos estão em dificuldades financeiras, sem condições de investir em tecnologia.

E o que vai acontecer com essas empresas?
Não há outro caminho a não ser o da modernização. Deverão ocorrer acordos, joint ventures e outros mecanismos do gênero para garantir a sobrevivência da base. Pode até haver um processo de depuração, mas quem ficar obrigatoriamente terá de se modernizar.

Os problemas dos subfornecedores afetam as montadoras em qual medida?
Com certeza esses problemas chegam às montadoras. Por isso há investimentos dos fabricantes de veículos em apoio à base fornecedora. A Toyota, por exemplo, onde eu trabalho, tem uma associação de fornecedores, a Brasa. Nós replicados o STP (Sistema Toyota de Produção) para os sistemistas e eles replicam para seus fornecedores.

Qual o papel do programa Rota 2030 nesse contexto?
Uma das propostas é justamente capacitar os fornecedores. Repassar tecnologia e know-how. Tem um projeto da Bosch nesse sentido que é sempre citado pelos representantes do governo. E a Bosch participa da Brasa, a associação dos fornecedores da Toyota. Dentro do Rota 2030 ainda estão sendo estudados os mecanismos para incentivar a capacitação da base fornecedora. Mas a base de tudo é replicar, é repassar os processos até chegar ao primeiro elo da base fornecedora.

O senhor acredita que o Brasil pode enquadrar-se no contexto mundial de manufatura?
É uma questão de sobrevivência. Ou a indústria se atualiza ou deixamos de ser um país produtor. A Austrália, por exemplo, optou pela sustentabilidade e decidiu não incentivar a existência de uma indústria automotiva local. O Brasil tem de decidir o que quer. E ao contrário da Austrália, aqui temos o Rota 2030 em debate, o que sinaliza a intenção de fortalecer a indústria.

E o Rota 2030? Vai sair mesmo? O setor e o governo admitem que ainda há muitos pontos em aberto que dificultam sua divulgação até setembro?
Se não sair correremos o risco de acontecer com o Brasil o que aconteceu na Austrália. De perder competitividade e a indústria daqui se transferir para fora. Não podemos ficar por fora de questões primordiais hoje no mundo automotivo como a manufatura 4.0 e o carro autônomo. Vamos ser um mundo paralelo? Ou vamos nos inserir no mundo?

Já tem montadoras brasileiras investindo em processos dentro do conceito indústria 4.0. Como fica a base fornecedora em relação a isso?
A indústria 4.0 envolve a cadeia inteira. É um planejamento integrado. Não adianta só investir em equipamentos e máquinas. Tem de olhar o todo.

O setor precisa de incentivo do governo para ganhar competitividade?
É fundamental para o setor ter um horizonte de planejamento de longo prazo, saber qual a direção que o País quer tomar em relação à produção local. Se tiver uma definição clara, a indústria reage e faz a parte dela. Daí a importância do Rota 2030.


Foto: Divulgação/AEA

Alzira Rodrigues
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