Por Milton Rego*

As vendas de carros que são publicadas mensalmente (pela Anfavea e Fenabrave) podem ser divididas entre dois grandes grupos: as vendas através da rede dos concessionários e as vendas que são feitas diretamente pelas fábricas montadoras de veículos. A venda direta tem um público específico; é feita especialmente para clientes que têm algum desconto nos impostos (por exemplo, deficientes físicos e taxistas), mas o maior número, sem dúvida, são os chamados frotistas.

Quem são os frotistas? Aqueles que têm uma frota e, portanto, não utilizam o veículo como meio privado de locomoção: empresas de transporte, locadoras, cooperativas. Esse público vem aumentando. Se tomarmos como base o ano de 2015, a participação de vendas diretas no total das vendas dos veículos era de 28%; nesse ano deve chegar a quase 50%, quase o dobro. O que mudou?

Exatamente há um ano, discutíamos aqui o papel dos carros e essa discussão estava inserida na questão da economia compartilhada.

O aumento da importância das vendas diretas indica que a forma de pensar a relação com os veículos está mudando. Certamente a busca de um compartilhamento dos bens é um dos motivos, mas não é o único. Os próprios fabricantes que fazem pesquisas constantes a respeito dos hábitos dos usuários já perceberam muitas mudanças.

No salão de Los Angeles que aconteceu no fim de novembro e começo de dezembro de 2017, Taro Ueda, vice-presidente de design da Nissan disse: “O meu filho não se importa com carros. Ele não se importa em dirigir. O carro hoje não é especial para esta geração. Minha geração pensou em um carro como símbolo de liberdade, mas meu filho adolescente vê carros como uma coisa banal”.

É para se pensar. Os custos e as vantagens associadas em ter um carro nas grandes cidades também mudam à medida em que o uso do espaço muda. Na semana passada fui almoçar em um restaurante nos Jardins (um bairro residencial em São Paulo) e gastei 60 reais com o almoço e 25 reais com o estacionamento – é difícil justificar essa relação de preços…

Além desse exemplo – de que uma hora de estacionamento custa a metade de uma refeição -, usar o próprio carro significa que você fica impossibilitado de beber e dirigir. Isso tudo pressiona o sonho de se ter um automóvel. Se fizermos a conta de todos os custos de propriedade de um carro (impostos, depreciação, seguro, manutenção, aluguel de vaga, estacionamento) fica muito difícil justificar ter um carro que fica parado 90% do tempo.

Junto com o novo papel dos carros para essas gerações, aparecem novos canais de comercialização. O próprio Antonio Megale, presidente da Anfavea, falou em algumas entrevistas (justamente analisando esse aumento de vendas diretas) que o aumento de vendas para frotistas, além dos públicos tradicionais como deficientes, taxistas e pessoas jurídicas, está relacionado a novas situações. “Uma delas, por exemplo, é oferecer aluguéis de veículos para motoristas de Uber; a indústria será produtora de mobilidade. Não importa se o veículo será adquirido pelo Uber, táxi ou para ser compartilhado.”

Nesse sentido, tanto para a questão de compartilhamento como para a questão de novas formas de utilização, essa tendência indica que esses veículos serão muito mais utilizados ao longo de sua vida útil.

E quanto maior é a taxa de ocupação do veículo, mais importante se torna a sua eficiência energética. Isso vale para veículos de carga e também agora para automóveis com uso compartilhado. Se você tem um carro que fica 90% do tempo parado, o custo de propriedade pesa muito mais; quando você tem um táxi ou um carro compartilhado, o consumo de combustível se torna um fator determinante da sua escolha.

Hoje, com a tecnologia disponível, a maneira mais efetiva de diminuir o consumo é reduzir o peso – fazer veículos mais leves significa gastar menos combustível e, mesmo se estivermos falando de veículos 100% elétricos, diminuir o peso irá aumentar a autonomia, uma vez que a carga da bateria é utilizada para deslocar uma massa menor.

Inversamente, é importante lembrar que para cada 10% de aumento de massa, um carro aumenta o consumo de combustível na mesma proporção e o consumo de emissões entre 6% e 7%.

A redução de peso, a partir dos novos materiais – alumínio, aços de alta resistência, polímeros, está também relacionada com a segurança veicular. Por exemplo, o uso do alumínio substituindo aço melhora a absorção dos impactos e diminui a distância de frenagem, só para ficar em alguns aspectos.

Dessa forma, esse carro que será utilizado de outra forma será avaliado de outra forma. Citando novamente o VP de design da Nissan, ele dizia que, “à medida em que os carros se tornam cada vez mais como aplicativos, os carros serão simplesmente superfícies e telas”.

Bem-vindos ao futuro.

*Milton Rego é Engenheiro mecânico, economista e bacharel em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em Gestão pela Fundação Dom Cabral, desde 2014 é o presidente-executivo da Abal, Associação Brasileira do Alumínio.


Foto: Abal/Divulgação

Décio Costa
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