Neste mês, mais exatamente no dia 12, foi aniversário de 45 anos da eclosão da greve na Scania, fabricante de caminhões e ônibus até hoje sediada em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Na época, ainda morando em Santo André, na mesma região, eu cobria a área sindical no Diário do Grande ABC.

Neste mês também, passadas essas quatro décadas e meia, um dos temas em destaque diz respeito mais uma vez – dentre tantas outras – ao setor automotivo brasileiro. Na época, Luiz Inácio da Silva era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, hoje do ABC. Atualmente, e pela terceira vez, o sindicalista, já há algum tempo com Lula no nome, é presidente da República do Brasil.

Parte da história — da minha própria história, a questão é que o tema “carro popular”, destaque em 1992 após o então presidente Collor chamar nossos carros de carroças, voltou à tona no noticiário da imprensa, inclusive da grande imprensa, a mesma que cobriu e acompanhou as greves do ABC paulista, que precederam o fim da ditadura no País.

Bastante complexo, o tema tem gerado comentários a favor e contra, a maioria contra. E diz fonte da área de distribuição, que há anos acompanha o setor, não haver nada definido sobre o tal popular. Se ele vai ser mais simples, pagar menos impostos, ter margem de lucro menor ou ter maiores facilidades de crédito…

Grupo de trabalho

Tudo ainda estaria em debate e seria difícil, assim, haver consenso antes da próxima quinta-feira, 25, data que vem sendo anunciada como a de divulgação do projeto de um carro mais acessível para ampliar volumes de vendas de 0 km no País. Seria uma reunião em São Paulo, na Fiesp, em comemoração ao Dia da Indústria e participação do vice-presidente e ministro do MDIC, Geraldo Alckmin.

Segundo a mesma fonte e também outras ouvidas por AutoIndústria, a reunião servirá para o governo anunciar a segunda fase do Rota 2030, com foco em híbridos e elétricos, a partir da definição de novas metas de eficiência energética. Com relação ao que a Anfavea chamou de carro verde de entrada, a ideia seria anunciar a criação de um grupo de trabalho para estudar tal produto.

Desse grupo deveria participar a associação que representa as montadoras e que vem se esquivando do tema, alegando que são diferentes os interesses das montadoras associadas e, por isso, as negociações têm de ser individuais.

Seria um resgate da câmara setorial automotiva, aquela que reuniu entidades patronais (Anfavea e Sindipeças), sindicatos de trabalhadores, entidades do varejo (Fenabrave) e governo, em torno do projeto do carro popular com motor 1.0 e preço reduzido.

O governo quer buscar um consenso que contemple as diferentes entidades do setor. Como metalúrgico e dirigente sindical que atuou no ABC paulista, berço da indústria automotiva brasileira, o atual Presidente tem consciência da importância do setor, dos milhares de empregos diretos e indiretos que a produção de veículos promove em toda a cadeia. Certamente fará de tudo para garantir a reindustrialização tão falada hoje e também criar condições para que mais brasileiros comprem um 0 km.

Racha entre as montadoras 

De imediato, importante para o governo seria trazer a Anfavea para os debates. A entidade, hoje presidida por Márcio de Lima Leite, da Stellantis, originário da Fiat, está literalmente rachada. Apenas duas montadoras, Fiat e Renault, teriam facilidade em lançar no curto prazo um produto mais barato. Elas são as únicas que ainda oferecem veículos na categoria “carro de entrada” que consta na segmentação por modelo da Fenabrave. O Gol ainda está lá, mas sua produção foi encerrada no começo do ano pela Volkswagen.

Vamos falar, então, da Fenabrave, apontada como a responsável pela proposta do resgate do popular. Seu presidente atual, José Maurício Andreta Jr., já foi presidente da Abracaf, a associação dos concessionários Fiat. Hoje, assim como a maioria dos empresários da distribuição, atua com várias marcas. Procurado durante toda a semana pelo AutoIndústria, o executivo deixou claro não ter intenção de tocar publicamente no assunto neste momento.

Da parte da indústria, o presidente da Stellantis para a América do Sul, Antonio Filosa, foi um dos primeiros a falar do popular e já deixou claro que a empresa está preparada para abraçar tal projeto de imediato. O presidente da General Motors América do Sul, Santiago Chamorro, mostrou-se contrário à ideia, dizendo ser contra “criar jabuticaba”. Também a Volkswagen não mostrou contentamento com o projeto.

Enfim, uma confusão só e várias apostas entre os jornalistas que cobrem a indústria e mesmo os executivos do mundo automotivo sobre a viabilidade ou não da volta do popular. É claro que o setor mudou radicalmente nas últimas décadas, com a chegada de novas marcas e um novo perfil de oferta de produtos.

Antes conhecido pela produção de modelos compactos, aqueles que cabiam no bolso do consumidor, o Brasil agora tem grande parte de suas vendas concentrada nos SUVs. Os hatches pequenos ainda têm boa demanda, mas com preços a partir de R$ 90 mil já não atendem o consumidor de antes.

Há quem goste 

Na faixa de R$ 70 mil só mesmo as versões de entrada do Fiat Mobi e Renault Kwid, aquelas sem ar condicionado e direção hidráulica, itens considerados essenciais atualmente no mercado.

Tais modelos, com esses dois opcionais, são vendidos para a locadoras com descontos na faixa de 10% a 18%. Se fosse venda direta, como serão todas as da chinesa GWM que está chegando no Brasil, o carro popular, com preço em torno de R$ 60 mil, poderia ser, de imediato, uma realidade.

Como no passado, acredito que um carro mais acessível seria importante para reativar o mercado brasileiro. Assim como a oferta de melhores condições de crédito. Nossa renda ainda é baixa em relação a países de primeiro mundo, como Estados Unidos ou os europeus, mas o brasileiro, apesar de todas as nossas dificuldades, segue sonhando em ter um carro.

Pode sim ser um compacto, com motor de baixa potência. Mas de preferência um 0 km e com todos os itens que garantam devidamente a segurança do veículo. Aquele com cheirinho de novo que o consumidor tanto gosta.

Porque, então, não tentar alguma coisa sem falar pejorativamente em jabuticaba? Só quem já comeu a fruta no pé sabe que seu sabor é inigualável e que é um privilégio para o brasileiro poder plantar e colher jabuticabas.


Foto:Pixabay

Alzira Rodrigues
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