Por George Guimarães

Proprietários de veículos Fiat que residem na Zona Oeste de São Paulo não têm vida fácil se precisarem de funilaria e pintura na rede de concessionárias da marca. Há algum tempo nenhuma revenda da região  dispõe de área e equipamentos para serviços que exijam grandes intervenções.  A ideia é economizar em estrutura onde o metro quadrado custa vários milhares de reais.

As concessionárias da marca racionalizaram seus espaços, concentrando cabines de pintura e grandes oficinas em um mesmo ponto, normalmente em bairros menos valorizados dos grandes centros urbanos. É solução comum, diga-se, também em outras marcas e  em vários países, em especial da Europa, onde se paga uma fortuna por  uma simples vaga de garagem.

Mas já seria também o caso das cidades brasileiras, ainda com enormes deficiências de transporte público e grandes distâncias que dificultam deslocamentos? Talvez faça sentido do ponto de vista econômico, mas de outro lado coloca em dúvida a real importância da fidelização do cliente tão decantada pela própria indústria como fundamental para sua rede de concessionários.  Serviços como esses constituem uma das pernas do tripé que sustenta o negócio da distribuição junto com as vendas de veículos novos e usados.

Em cidades médias, onde trânsito e distâncias não impõem grandes dificuldades para o consumidor, o problema pode ser mais facilmente contornado. Nas caóticas megalópoles brasileiras, entretanto, essa solução para a rede gera inconvenientes aos clientes que as montadoras deveriam melhor avaliar.

O exemplo da Fiat na Zona Oeste paulistana ilustra o quanto a opção pode ser contraproducente.  Com cerca de 900 mil habitantes, detentores do maior poder aquisitivo médio da cidade mais rica do País, a região não dispõe de revendas que possam dar conta, ali mesmo, de qualquer serviço de reparo de grande porte. O consumidor normalmente é orientado pelas próprias concessionárias a se deslocar para outra região que pouco, quase nada, tem a ver com a sua rotina ou localização. E isso até mesmo para um mero orçamento preliminar.

Na concessionária Amazonas, na rua Turiassu, bairro de Perdizes, a informação do funcionário foi imediata: “Funilaria com acionamento do seguro só na nossa loja do Ipiranga”.  A tal loja, no número 1.070 da avenida Narazé,  na Zona Sul, fica a 12 quilômetros da unidade de Perdizes. E entre as duas representações, o grupo ainda tem revenda no Brás, região central, mas que também não dispõe dos serviços.

Em outro ponto do mesmo grupo Amazonas na Zona Oeste, em Pirituba, a atendente confirmou que qualquer reparo maior deveria ser encaminhado à unidade do Ipiranga e que ali, onde trabalha, só se faz “pequenos reparos, martelinho de ouro”, como costumam ser chamados os profissionais que retiram pequenos amassados da lataria. Indagada sobre alguma revenda na região que poderia consertar um Uno com a porta amassada, lembrou-se da Ventuno, na quase vizinha Vila Leopoldina.

De volta ao site da Fiat para identificar o telefone daquela que seria a salvação nas proximidades, mais um esforço em vão: há muito tempo, como informou a própria funcionária de agendamento da área de oficina, a Ventuno deixou de lado as atividades de funilaria e pintura.

Bem longe e mais longe ainda — Solícita e preocupada em ajudar, prontamente a atendente indicou como alternativa mais próxima a Sinal da avenida Giovanni Gronchi, localizada a nada menos do que 19 quilômetros da Ventuno, também na Zona Sul, distância que não se cumpre em menos de 40 minutos em qualquer dia da semana.

O próprio Grupo Sinal, um dos maiores representantes da marca no País, tem uma revenda bem mais próxima, a 8 quilômetros da Ventuno, na avenida Corifeu de Azevedo Marques, no Butantã. E lá nova surpresa ao ouvir que o atendimento seria possível, mas somente se fosse particular. O atendimento via seguradora, mais uma vez, apenas na unidade da Giovanni Gronchi ou na de Cotia, município da Grande São Paulo. Bastou uma rápida consulta na internet para saber que essa segunda opção era ainda mais distante, a cerca de 22 quilômetros.

Em nenhuma das conversas, mesmo que instigados pela reportagem, os funcionários de qualquer das concessionárias citaram algum facilitador, como o serviço de leva-e-traz. Ao contrário, a alternativa na região, admitiram alguns deles, seriam mesmo as oficinas independentes, várias delas credenciadas por seguradoras.

Os bairros da Vila Romana e Alto da Lapa concentram um grande número delas. Com os pátios sempre abarrotados de veículos para reparo — muitos de locadoras, vários Fiat —, estão satisfeitas com o enorme mercado deixado pelos concessionários da região.

 

Índice de Satisfação Geral com Serviços Pós-Venda

MARCAPontuação
Hyundai CAOA 830
Mitsubishi 817
Toyota 817
Honda 812
Hyundai 806
Kia 806
Citröen 804
Chevrolet 801
Jeep 801
Nissan 796
Média do setor 791
Fiat 790
Fonte: Estudo Customer Service Index (CSI) Study Brasil 2017

 

Os orçamentos de três oficinas para o conserto do Uno, com a troca da porta,  variaram de R$ 2,3 mil a R$ 2,6 mil. De quebra, a empresa escolhida ainda ofereceu polimento e cristalização de toda a carroçaria, algo que bem poderia entrar para a conta de uma das revendas, fora todos os demais serviços e produtos que poderiam ser oferecidos.

AutoIndústria procurou a Fiat em 5 de setembro. A ideia era saber da empresa se essa solução  não gerava desconforto demais ao consumidor e oportunidades de negócios perdidas para as revendas. Até esta terça-feira, 12, porém, a montadora não designou nenhum porta-voz  ou emitiu qualquer resposta oficial.

Em coluna publicada no AutoIndústria, o jornalista Joel leite mostra que a FCA criou  uma “fábrica de conteúdo” para, como o colunista descreveu, “fisgar o consumidor”, referindo-se ao engenhoso departamento de comunicação  da empresa e o trabalho em midias eletrônicas. Fica a sugestão para que surja uma outra “fábrica” capaz de manter na marca — e na sua rede — o consumidor fisgado.

É bom lembrar que em recente pesquisa da consultoria J.D.Power a rede Fiat foi apenas a 11a  colocada em pós-vendas no Brasil com 790 numa escala de 1 mil pontos, abaixo da média do setor. E a própria Fiat, vale reforçar, perdeu mais de 7 pontos porcentuais de participação em menos de três anos: caiu de 21% em 2014 para 13,9% até agosto.

Isso considerando os comerciais leves, segmento no qual a marca mantém sua força com as picapes Strada e Toro. Considerados apenas automóveis, o tombo é aínda maior:  da liderança de 18% em 2014 para 9,6% no acumulado de 2017, metade da fatia da líder GM, e apenas a quinta colocação no ranking das marcas mais vendidas.


Fotos: AutoIndústria/Divulgação

George Guimarães
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